Gente
Vida e pura arte
Liana Brandão, 86 anos, e sua história de amor pela pintura
JACQUELINE IESSEN
"Caminhando
fiquei parada e, parando, caminhei." A frase cunhada por Liana Brandão
numa tela instalada a cinco metros do chão na sua casa-ateliê, numa área
tranqüila na Lagoa da Conceição, Capital, mexe com a alma de quem a
contempla. E o texto ganha ainda mais significado quando uma esfuziante
Liana adentra à sala falando de suas obras, declamando poesias de
Machado de Assis e Olavo Bilac, explorando suas telas e planejando novos
trabalhos. Detalhe, esta artista de múltiplas linguagens tem 86 anos, é
capaz de pintar 20 telas num dia e tem uma energia de causar inveja.
Liana Brandão é uma daquelas pessoas raras que seduz quem a rodeia com
sua paixão pela vida.- Não sinto o peso dos anos. Esqueci estes 80 anos.
Me alimento da saudade, da alegria e das palavras - diz a artista.Liana
Brandão tem uma bela história de vida. Gaúcha de São Gabriel, mas que
fez história em São Leopoldo, foi fisgada pela arte desde cedo. Filha do
poeta Miguel Ataíde DAvila, começou a declamar poesias quando tinha
seis anos. Na época, sem muitas opções de lazer, sua mãe reunia os
filhos no final da tarde para ler textos. E os poemas que decorou no
passado ainda permanecem vivos em sua memória brilhante.A jovem artista
Liana cresceu às voltas com suas tintas, pincéis, esculturas e
conquistou o coração do então estudante de Direito Carlos H.D. Brandão,
que conheceu no ginásio. No início da vida conjugal, a mãe Liana abraçou
a filharada - quatro meninas - para que o marido pudesse concluir o
curso. Carlos aproveitou tão bem a ajuda da mulher que tornou-se juiz de
Direito. Com a carreira deslanchando, Liana pode novamente voltar-se de
corpo e alma para o mundo das artes. No início, quando morava em São
Leopoldo, Liana abriu uma galeria de arte para mostrar os seus
trabalhos, visto que tinha muita dificuldade em expor suas obras por ser
desconhecida. Como ela vê nos problemas uma oportunidade para encontrar
uma solução, decidiu abrir as portas de sua casa aos jovens artistas. E
foi assim que tornou-se conhecida na região do Vale dos Sinos (RS).Em
São Leopoldo, dado ao seu intenso processo criativo, as telas não foram
suficientes para esgotar a criatividade da artista. E Liana pintou as
paredes da casa (internas e externas) e virou uma referência na região.
Começava a década de 1980 e os primeiros indícios da abertura política
no Brasil também provocaram nos artistas o desejo de manifestar suas
emoções tão cerceadas pela ditadura militar. Liana promovia vernissages,
saraus literários e pintores, escultores e poetas eram visitas em sua
galeria. Mas como esta inquieta artista conquistou o coração de sereno
juiz?- Comecei a compreender o direito, e ele, a arte. Tanto que
tornou-se um especialista em História da Arte - diz Liana. Em 1997 o
casal fixou-se em Florianópolis, para ficar perto das filhas. A história
de amor entre Liana e Carlos começou quando era uma estudante do
ginásio. Ela, uma linda menina de olhos azuis. Ele, um estudante
recém-saído do seminário. Desde que trocaram o primeiro olhar
passaram-se mais de 58 anos de uma convivência harmoniosa, resultado do
respeito que um tinha pela atividade do outro. Há quatro anos, Carlos
morreu levando consigo um pedacinho de Liana. Mas esta fortaleza que
mede 1m50cm de altura não se abateu. Liana tem muitos planos a executar e
a morte não lhe tira o sono.Nas telas Liana imprime o seu jeito de ler e
ver o mundo. Suas figuras disformes não angustiam o espectador. Nas
telas multicoloridas, retratos do imaginário feminino. O uso do azul
revela o lado afetivo e maternal da artista. A simbiose entre Liana e a
arte é tão real que às vezes até confunde os admiradores de seu
trabalho. Não se sabe se é Liana quem conduz o pincel ou se é conduzida
por ele. (
jacqueline.iensen@diario.com.br )